A difícil e importante fase do “não”
É quase lei: uma criança não é igual a outra, por mais que o processo de criação seja idêntico. E que maravilha isso. Descobrir uma nova personalidade, virtudes, defeitos e excentricidades em nossos filhos. Há coisas que surgem tão cedo que parecem que eles já vêm pré-programados do útero – nossa menor, já tem até um “TOC” de estender sua cobertinha perfeitamente para poder tomar seu leite em paz.
Mas, apesar de estar ciente disso, quem disse que não nos pegamos surpreendidos pelas novidades da caçula? A mais velha tem sido uma experiência harmoniosa, uma criança doce, sensível e compreensiva. Já a mais nova…
…chegou chegando, como se diz. Ao nascer nem precisou de tapinha no bumbum: desembarcou chorando e fez xixi em cima da obstetra. Já era um sinal que essa criança não repetiria o roteiro da irmã mais velha. E põe novidade nisso. Mais introspectiva, ela desde pequenina marcou território. Nada de ceder, conversar, negociar. Se quer algo não arreda o pé. E aí descobrimos a fase do “não”.
Personalidade sim, má educação, não
Ou seja, foi como se tivéssemos um segundo “primeiro” filho. Tanto eu quanto minha esposa somos da turma da diplomacia, buscando o melhor para todos. Mas como lidar com um ser que não quer conversa e sim ser atendido no que deseja mesmo que muitas vezes fosse um capricho.
As tentativas foram se acumulando. Primeiro tentando convencê-la a fazer algo para depois ter o que quer, depois falando duro e exigindo respeito e até momentos em que caímos no erro de ir pelo caminho da chantagem emocional. O resultado nunca chegou perto do ideal, sem falar no imenso desgaste. A pequena chorava, mas não arredava o pé fácil. Muito tempo depois, acabava cedendo, pedindo desculpas e dizendo que não iria fazer mais, mas cinco minutos depois repetia a dose com outro objetivo. Até mesmo a irmã mais nova sofreu por ser justamente o oposto: cede sem pensar para que a irmã ficasse feliz.
Sabíamos que estávamos com um desafio imenso, afinal a vida não vai tratá-la da forma que ela espera. É verdade que com dois, três anos não há ainda maturidade para entender a lei da causa e efeito, mas precisávamos de um caminho que mostrasse a ela que em alguns casos ela vai se frustar e que isso é normal.
Foi lendo a respeito que descobrimos um lado que não havíamos pensado. O excesso de “nãos” – para tomar banho, para comer, para ir a um passeio, usar uma roupa ou emprestar algum objeto pessoal – significava a formatação da personalidade e que isso não é exatamente um problema. É como uma prévia da adolescência, li em algum site, para logo me desesperar!
Claro que é um momento em que a criança precisa saber seus limites, mas combater esse posicionamento não resolve. É preciso preservar isso, mas de forma a que a criança atenda a uma necessidade e que participe dessa decisão.
Um dos melhores exemplos que vi e testei foi o das opções. Se você quer que ela tome banho em determinado horário justamente na hora que está assistindo a algum programa interessante, não adianta impor essa tarefa sem mais nem menos. Vai ser o caos, certamente. Mas se você oferecer duas alternativas em que a mais atraente é a que deseja que ela faça, a chance de convencê-la é muito maior. No exemplo citado, as opções que dei foram: a) tomar banho no chuveiro ou b) tomar banho com as bonequinhas de sereia na banheira. Claro que a segunda opção foi escolhida sem pestanejar.
Obviamente, esses subterfúgios devem ser usados quando está claro que haverá uma disputa desnecessária. Muitas vezes, nossa filha aceita de primeira nosso pedido.
A outra recomendação comum é evitar a palavra “não”. De fato, falamos demais essa palavra e isso certamente contribui para que ela também a use com frequência. Há maneiras de passar o recado sem que batamos de frente todas as vezes.
De toda forma, é preciso uma imensa dose de paciência e jogo de cintura, além de pais com atitudes coordenadas (quem nunca passou pela situação em que o filho diz que o ‘papai/mamãe deixou’?). Ceder sempre para não enfrentá-lo vai criar um adulto mimado, mas também apenas obrigá-lo a fazer as coisas porque assim que tem que ser pode dar espaço para uma revolta que lhe custará caro no futuro. E não deixa de ser um treino para a assustadora fase da adolescência…
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