O dilema entre poupar meu filho de sofrer ou não
Lembro bem do meu primeiro emprego, com apenas 14 anos. Foi numa fábrica de autopeças, onde era office-boy. Na época, a dificuldade para se arrumar um trabalho era grande e essa vaga me foi conseguida por intermédio de um parente que conhecia o proprietário da pequena indústria.
Até então, vivia num mundo distante da realidade, apenas estudava e havia sido poupado de encarar situações desagradáveis. Daí minha surpresa ao me deparar com ‘colegas de trabalho’ mais velhos que viam em mim uma ‘ameaça’ por ser, nas palavras deles, ‘sobrinho do dono’. Foi aí que conheci alguns termos para nunca mais esquecer como “arrogância”, como um colega do trabalho se referia ao nosso chefe.
Avançando 30 anos no tempo, recentemente conheci alguns jovens de classe mais elevada que me espantaram por viver numa espécie de redoma. Pouco trabalham, embora sejam formados em algumas áreas hoje requisitadas no mercado.
A explicação para a vida bancada pelos pais é que ‘eles não precisam passar por isso’. ‘Por isso’ entenda-se salário baixo no início da carreira, tempo perdido para ir e voltar ao trabalho, compromissos e sacrifícios comuns para quem está entrando no mercado de trabalho.
Mas, afinal, o que isso tem a ver com nosso filhos pequenos? Muito, ao meu ver. Mostrar o mundo real para eles pode começar cedo, desde que decidamos assim. No entanto, o que mais vejo é justamente o contrário: os protegemos por um longo tempo, evitando que tenham contato com o mundo exterior e suas injustiças.
É óbvio que existe o bom senso de não expôr uma criança a uma situação em que ela ainda não está familiarizada, mas evitar que isso ocorra sempre pode potencializar o problema no futuro. Quantos pais hoje não correm até seu filho após um pequeno tropeço? Não deixam que ele levante sozinho e se recomponha por si próprio, o que é importante para sua independência.
Sem carinho
Sempre ouço histórias principalmente de europeus e seu modo desprendido de educação. Na hora de deixar a criança na escola, simplesmente viram de costas e vão embora. Nesse ponto, peco por querer passar a impressão que ‘logo estarei de volta’ para buscá-las.
É duro demais para um pai deixar seu filho por conta e risco e isso parece que virou algo comum nas famílias, não importa a idade. Talvez se tivesse sido preparado para o que iria enfrentar ao começar a trabalhar, poderia ter evitado alguns dissabores, mas é fato que ser pai não é uma ‘modalidade esportiva’ em que podemos ‘treinar antes de jogar’. Nossos pais e avôs faziam o que parecia correto na época e o mesmo deve ocorrer conosco.
O grande desafio é saber qual ‘tombo’ seu filho terá de lidar sem que isso se transforme numa ferida nunca cicatrizada. E isso só descobriremos ‘caindo’.