Quarentena à inglesa e à brasileira

A redução das restrições de circulação e isolamento social nos dois países mostram prioridades e situações bem diferentes
Ônibus em Londres: pouco movimento (Divulgação)

Tem sido interssante acompanhar da Inglaterra as ações para reduzir o distanciamento social e retomar atividades pré-pandemia no Brasil. Os dois países, em que pesem o intervalo de tempo entre o surgimento dos primeiros casos de coronavírus, passam por situações parecidas, embora em condições completamente diferentes.

Esse contraste me motivou a comparar um pouco da visão que o governo britânico tem da que vem sendo implementada no Brasil e mais especificamente no estado de São Paulo, onde morávamos. Confira:

Escolas

Aqui, as escolas voltaram a receber alguns alunos no início de junho. A ideia foi priorizar as crianças que cursam o Ano 1 e o Ano 6, este que é o último do primário. Além deles também foram liberados os alunos do que seria a pré-escola no Brasil afim de facilitar que muitos pais pudessem voltar ao trabalho. Para viabilizar isso foi preciso dividir as crianças em grupos menores e mobilizar os professores. A expectativa inicial era de que os demais anos fossem sendo incorporados aos poucos, mas o governo desistiu disso por conta da falta de estrutura e agora prevê a volta de todos os alunos em setembro, quando começará o novo ano letivo.

Pelo que leio, as escolas em São Paulo têm como meta retornar em setembro, mas apenas com um terço dos alunos. É uma grande mistério imaginar como escolher esses alunos e gerir escolas que geralmente tem um número de funcionários pequeno comparado ao números de alunos. Já as escolas privadas não parecem em condições muito melhores, mas em tese precisarão resolver isso de uma forma mais rápida diante da revolta de seus clientes.

Isolamento social

O Reino Unido adotou o padrão dos 2 metros de distanciamento social, mas o primeiro ministro relaxou a medida no último sábado apenas na Inglaterra. Agora o padrão é o chamado um metro ‘plus’, no entanto, na Escócia e País de Gales continua a valer os 2 metros enquanto na Irlanda do Norte, apenas um. Em São Paulo, não notei um padrão de distância, o que acaba criando situações muito díspares. Segundo relatos de amigos, há estabelecimentos que tentam separar os clientes enquanto outros não se importam com isso. Aqui em Londres esse comportamento foi mantido por muito tempo, mas o relaxamento recente já fez com que muitas pessoas fiquem perto uma das outras.

Hide Park: aberto, mas com restrições (Adrian Scottow)

Máscaras

A presença das máscaras de proteção facial passou a ser frequente logo no início da pandemia, mas por iniciativa das próprias pessoas. Mais tarde, alguns locais passaram a exigir seu uso como os GPs, clínicas de bairro. Hoje para usar o transporte público seu uso é obrigatório, mas os trens por exemplo não andam tão cheios quanto no Brasil. O Metrô e a CPTM, em São Paulo, têm obrigado o embarque com elas, o que acho bastante prudente.

Reabertura do comércio

Talvez aí esteja uma grande diferença entre os dois países. Na Inglaterra, muitos estabelecimentos permanecerão fechados desde o início da quarentena. Apenas mercados, farmácias e poucos locais de entrega ficaram abertos, mas com rígidas regras de distanciamento. Lojas de artigos gerais puderam abrir há algumas semanas, mas de forma bastante tímida. Nos últimos dias, o comércio de rua tem voltado a funcionar bem como cabeleireiros e imobiliárias.

Em São Paulo, houve um movimento inicial de abertura dos shoppings e também do comércio em áreas com menos casos, mas pelo que pude perceber essas regras nunca foram levadas muito a sério, com regiões funcionando mesmo em períodos de proibição.

Comércio de rua aberto no Rio (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Bares e restaurantes

Londres deu mau exemplo assim como o Rio de Janeiro no último fim de semana. Aqui, os famosos “pubs” (public house) reabriram após meses e tiveram enorme adesão, a despeito das restrições impostas. Cenas no centro da capital britânica eram comparáveis ao bairro do Leblon, com pessoas sem máscaras e altamente alcoolizadas. Confesso que até chegamos a pensar em dar uma esticadinha até a região central, porém, pesou mais a precaução. Para quem já esperou tanto tempo não custa ter um pouco de paciência.

Já os restaurantes aqui têm sofrido sem poder receber clientes em seus salões. Alguns reabriram, mas muitos permanecem fechados porque é inviável financeiramente atender tão pouca gente. Parece ser um problema semelhante no Brasil por conta da limitação de horários de funcionamento.

Trem do Metrô de São Paulo: máscaras obrigatórias (GESP)

Parques

Outro grande contraste envolve os parques e áreas públicas. No Reino Unido, eles nunca fecharam de fato, mas era proibido sentar ou reunir-se em grande número, o que hoje há é possível. Em São Paulo, os parques seguem fechados e só devem funcionar durante a semana. É, para mim, um sintoma da falta de áreas verdes da capital paulista. Sem lugares adequados, esses espaços acabam lotando facilmente, algo que em Londres é mais difícil, afinal a oferta de parques é muito grande.

Mobilidade

Logo que o Boris resolveu estimular a população a voltar ao trabalho a senha foi curiosa: “usem seus carros, mas dêem preferência a andar a pé ou de bicicleta”. Sim, aqui pede-se para evitar o transporte público se possível. Em São Paulo, no entanto, o prefeito Bruno Covas chegou a criar um rodízio de veículos super restritivo que sobrecarregou o transporte coletivo e, por consequência, criou aglomerações.

Em suma, cidades como São Paulo, Rio ou Londres, com seus milhões de habitantes, são um grande desafio para controlar a propagação de uma doença infecciosa como a Covid-19. No entanto, a ocupação mais equilibrada do solo e a oferta de serviços mais adequada torna a tarefa mais fácil por aqui. Veja o caso dos hospitais de campanha. A capital paulista montou dois e somente há poucos dias fechou um deles, o do Pacaembu. Londres chegou a implantar um muito grande que acabou não sendo usado felizmente.

Jornalista do setor automotivo desde 2001, tenta ajudar no que pode no dia a dia dos filhos, apesar de já ter até derretido mamadeira esquecida na panela. Publisher dos sites Autoo, Airway e MetrôCPTM.

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